Hoje algumas coisas diferentes aconteceram na UTI, como sermos recebidos novamente com um sorriso e expressões de alegria de quem nós vemos frequentemente mas que há algum tempo não nos via. Trata-se de uma paciente que há quatro semanas seguidas encontrávamos dormindo no horário dos atendimentos de musicoterapia, mas que desta vez, pudemos matar um pouco a saudade de interagir musicalmente com ela na recriação de canções folclóricas e, na dedicação de uma canção especial "Leãozinho" ao qual substituímos carinhosamente pelo nome da paciente o trecho da canção que diz "Gosto muito de você". Ao sairmos do seu leito ela nos acompanhou durante todo o tempo que permanecemos atendendo outros pacientes utilizando gestos com as mãos para acenar ao nosso grupo dando um tchauzinho!
Outro fato que nos chamou a atenção foi o gesto de carinho de um bilhete pendurado próximo ao leito de outro paciente, com cinco canções escritas, que segundo o enfermeiro, foi elaborado com a ajuda da família, mais especificamente da esposa, que fez a comunicação de forma não verbal utilizando letra por letra para saber quais canções o paciente gostaria de ouvir nas sessões de musicoterapia com a gente. A dedicação da família em construir essa lista me trouxe grande alegria pessoal por perceber a motivação e a confiança por parte deles incentivando a musicoterapia no ambiente hospitalar em que vive o familiar deles, nosso paciente.
Por fim, gostaria de expressar o quanto as vidas em situações fragilizadas mobilizam também aqueles que trabalham por elas.
Embora nenhum de nós saibamos lidar com a morte, desmistificar esse processo natural sem perder a forma humana, podendo compreender, chorar, me sensibilizar com a dor alheia mesmo não conhecendo quem faleceu, torna-me alguém mais consolada com este acontecimento previsível em algum momento da vida. A permissão de poder colocar emoções a tona apenas pela troca de olhares dos amigos que também transparecem sensibilidade e comoção com momentos comuns que compartilhamos, faz com que minhas emoções encontre amparo, em alguém que também se ampara em mim. Hoje foi um dia memorável para a minha lembrança. O fato de ter um paciente conhecido, compositor de canções e amigo de alguém de nossa equipe de musicoterapia, me conectou diretamente com a situação desta pessoa no leito. A ligação deste paciente com a música, me mobilizou mais ainda de alguma forma. As intervenções feitas tiveram a participação do médico na recriação de canções como Chão de Giz, Anunciação e por último, um momento mais do que especial, que pudemos dignificar e humanizar a situação hospitalar do paciente com a própria música Deixo aqui alguns trechos que marcaram este dia pra mim.
"No mais, estou indo embora..."
"Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais..."
"(...)Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida..."
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