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Processando e Reconhecendo


Escrever não é uma tarefa fácil pra mim. Mas é com prazer que compartilho um relato prático do meu primeiro dia de estágio e compartilho minhas sensações, experiências e reflexões desse dia em uma Unidade de Terapia Intensiva.


Cheguei na sala de espera da UTI sem maiores preocupações, lembrando de deixar meus problemas pendurados no cabide do lado de fora antes de entrar. Não me sentia ansiosa. Higienizamos os instrumentos, as mãos, touca, jaleco (que me deu certo orgulho) e começamos o atendimento. O ambiente era denso, uma paciente estava sendo entubada no momento que chegamos o que gerou certa tensão, mas ao mesmo tempo pude sentir a primeira importância do nosso trabalho no enfrentamento da situação hospitalar propiciando momento de conforto e alívio aos pacientes que partilhavam o mesmo cômodo para aliviar a tensão que pairava no hospital através da harmonização musical como sonoridade que transformava a ambientação da UTI e acalmava inclusive a mim mesma. Cantávamos de leito em leito, começando com uma canção de boa tarde, nos apresentávamos e cada paciente recebia uma canção diferenciada e especial dedicada a cada um deles. Como nenhum paciente possui comunicação verbal para conversarmos sobre seu repertório, utilizávamos a data de nascimento como espécie de linha do tempo de músicas que aconteciam na época de cada um. Enquanto tocávamos eu observava a o monitor cardíaco de cada paciente e vigiava possíveis alterações nas frequências de acordo com as canções. Uma em especial me chamou a atenção: tocar e cantar a canção "Como Zaqueu" olhando nos olhos de um paciente que começou a chorar foi o suficiente pra que eu entrasse em contato com as primeiras emoções, sentindo os olhos enchendo de água enquanto procurava imediatamente fixar em objetos e nos meus colegas. Quando tentava fixar na letra da canção, a emoção surgia novamente. Recebi apoio crucial de um dos colegas para firmar e concentrar no trabalho que acontecia. A força para conter o primeiro choro na UTI surgiu da vontade de estabelecer e delimitar desde o início as fronteiras profissionais da prática e obter controle da situação quanto futura musicoterapeuta. Não que não se possa chorar, ou não ter empatia, pois muito pelo contrário, esse trabalho acima de tudo requer humanização. Mas não era o meu momento nem a minha hora de chorar. Sentia a necessidade de estar inteira naquele instante pra fazer o meu melhor a ele. A reflexão que pude fazer deste atendimento foi diante da necessidade e o momento musicoterapêutico vivenciado como prioridade para o outro. O paciente, naquele momento, recebia. Nós proporcionávamos. O ambiente hospitalar não era leve, as visitas de familiares nem sempre devem ser animadas e o paciente pode presenciar muitas pessoas chorando a sua volta constantemente. A musicoterapia deve ser o momento que proporciona descontração, cuidados, afetividade e alegria aos dias de alguém em uma Unidade de Terapia Intensiva. Desafio? Desafio. Gostei. Estou disposta a abraçar este trabalho com carinho. 

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